21/02/11

The King's Speech



Para os que amam o cinema, trata-se de mais um filme sobre como as grandes almas são forjadas no enfrentamento dos desafios. (...)
Mas, para os que gaguejam, e os que com eles se engajam na tarefa de construir e trazer conhecimento sobre a gagueira para todos quantos precisam e querem conhecê-la, trata-se do maior acontecimento midiático de todos os tempos. Através d ‘O discurso do Rei’, pudemos falar ao mundo. E o Rei falou por nós.
Isso posto logo de partida, é preciso considerar o que o filme traz como ganho ao trabalho dos que atuam pela popularização do conhecimento sobre a gagueira, e pela diminuição do preconceito contra os que gaguejam, causado em grande parte pelo desconhecimento do que a gagueira é de fato. E talvez, nesse sentido, a maior contribuição do filme esteja em mostrar esse preconceito em sua total e asquerosa feiúra – preconceito que, assim como a gagueira, não escolhe classe social.
Quanto ao que diz respeito às formas de tratamento para a gagueira, o filme não oferece contribuições diretas, mas é preciso dizer que nem se esperava isso, já que a história se passa na década de trinta do século passado; evidentemente, àquela época nada se sabia sobre gagueira como fenômeno neurológico, havendo apenas especulações sobre o que a causaria. Estão presentes exercícios respiratórios e rítmicos, assim como ocorre em tratamentos atuais. Contudo, muitos procedimentos equivocados e maléficos, como por exemplo, fumar para relaxar as pregas vocais (ação que na vida real provavelmente acabou por causar no Rei um câncer pulmonar, entre outros males), estão presentes, mas felizmente a maneira jocosa como são tratados não dá a entender que poderiam melhorar de fato a sua qualidade de fala. Além disso, muito embora uma das sequências iniciais já revele intuições sobre fenômenos cerebrais que hoje são base para tratamentos efetivos, a ideia não é levada adiante.
Também não é levada adiante a crença de que o Rei poderia curar-se. Apesar de a palavra “cura” apresentar-se no início da história, é possível perceber que, em seu desenrolar, as ações “terapêuticas” acabam por voltar-se predominantemente à melhoria do seu estado psicológico em eventos de fala, para que ele pudesse cumprir com seus importantes compromissos públicos. Não tem, portanto, relação com a questão da gagueira em si, como fenômeno de linguagem.
Os procedimentos propostos baseiam-se em percepções que, hoje, quando não são descartadas, relacionam-se apenas perifericamente com o problema: relaxamentos, conversas, algum conhecimento sobre relações familiares e lembranças da infância. No mais, o que se vê não é propriamente um tratamento, no sentido que compreendemos atualmente, mas uma relação de amizade e confiança entre dois homens de honra, baseada, entre outras virtudes, no total respeito pela condição de um deles como pessoa que gagueja, para muito além da necessária deferência a um membro da família real, posteriormente Rei e Imperador. E é aí que começa o grande ganho das pessoas que gaguejam e todos os que, profissionalmente ou não, comprometem-se com a nossa causa – a compreensão do sofrimento que a gagueira pode provocar na vida de uma pessoa.
No cinema, o que normalmente se vê, salvo casos raros de filmes alternativos que não alcançam o grande circuito, é a pessoa que gagueja ser tratada como alguém sem importância, com pouca inteligência, ou sem atrativos. Neste caso isso não aconteceu. Alguém pode afirmar que não se poderia tratar o Rei da Inglaterra como um tolo qualquer. Mas o que fez com que ele merecesse o filme foi justamente sua história de pessoa que gagueja e ser humano diferenciado, diante da contingência de liderar milhões de pessoas no curso de uma guerra dolorosa, e não poder fazê-lo de outra forma senão através do seu discurso – discurso aqui tomado num sentido geral, de produção linguística, mas também num sentido particular: a sua mensagem histórica ao povo britânico declarando guerra à Alemanha.
Porém nosso ganho não se limita a esse tratamento respeitoso. O filme em si, como realização técnica, nos ajuda bastante. Os planos fechados e os closes salientam as expressões das pessoas diante das dificuldades e dos sucessos do Rei na busca por uma fala fluente – constrangimento, vergonha, alívio. Revelam a angústia que tomava a todos enquanto o Rei sofria para falar, seja para o povo, seja para as suas filhas. A revelação desses rostos torna cruel o pensamento, exteriorizado por alguns personagens, de que a gagueira de George VI seria sinal de covardia, de incapacidade. Em alguns momentos, covardes e incapazes foram os outros, quando a História lhes reclamou seu lugar, e eles dele declinaram.
O mesmo plano fechado mostra em plenitude e fidedignidade o que se passa na mente e no corpo de uma pessoa que gagueja, quando ela precisa, justamente, não gaguejar. Quem gagueja deve entrar no cinema preparado para poderosas emoções, porque Colin Firth consegue traduzir no rosto o que se passa conosco. De fato, em entrevista, o ator demonstra reconhecer plenamente o fardo que carregamos, ao afirmar que, assim como nós, necessitou viver o sacrifício que é, para quem gagueja, a tentativa de não gaguejar. Nós que gaguejamos sabemos o que essa revelação nos provoca, mas agora ela vai provocar a todos, porque é muito difícil alguém sair do filme ainda acreditando que quem gagueja o faz sem sofrer, ou o faz porque quer, ou porque lhe falta coragem. E quanto a isso temos muito que agradecer a esse ator inglês que iniciou sua carreira no cinema interpretando homens poderosos e decididos, que ao longo do tempo foram se tornando complexos, interessantes, com sua força sendo revelada através das enormes dificuldades por que passam. Assim é o Rei George VI que Colin Firth nos oferece.(...)
O Discurso do Rei é uma homenagem a quem busca, através da vivência e do conhecimento sobre a gagueira, construir um mundo melhor para os que aqui já estão, e para os que virão. Que venham os prêmios, todos merecidos. O Rei também os merece.

Profa. Dra. Ana Flávia L. M. Gerhardt
Secretaria Educacional – IBF www.gagueira.org.br
Diretamente de Portsmouth, UK.
Janeiro / 2011

08/02/11

Um caso de poesia... de Carlos Drummond de Andrade

Paulo tinha fama de mentiroso.
Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões da independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas.
A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele provou e tinha gosto a queijo. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias.
Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá -lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico.
Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça:
– Nada a fazer, Dona Coló. Este menino é mesmo um caso de poesia.

(Andrade, 1997: 26)

Referência Bibliográfica:
ANDRADE, Carlos Drummond de (1997), Histórias para o Rei, Rio de Janeiro: Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S.A. 155

07/02/11

Revista Diversidades nº 30

Divers Ida Des 30

Vencendo Barreiras. Um olhar sobre a Deficiência Motora...