Imagem de: http://ecosdapoesia.net/autores/marco_bastos9.htm
Era uma vez um agricultor. Era um agricultor fora do comum, intelectual e progressista. Estudou administração para que a sua quinta funcionasse cientificamente. Não satisfeito fez um doutoramento em criação de galinhas.
Aprendeu que, num negócio, o essencial é a produtividade. Aqueles que são improdutivos dão prejuízo; devem, portanto, ser eliminados. Aplicado à criação de galinhas, esse princípio traduz-se por: “galinha que não põe ovo, não merece a ração que come”. Não pode ocupar espaço no galinheiro e deve ser transformada em cubinhos de caldo de galinha.
Com o propósito de garantir a qualidade total da sua criação de galinhas, o agricultor estabeleceu um rigoroso sistema de controlo da produtividade. “Produtividade de galinhas” é um conceito matemático que se obtém dividindo o número de ovos posto por uma unidade de tempo. As galinhas, cujo índice de produtividade fosse igual ou superior a 250 ovos por ano, podiam continuar a viver na quinta como galinhas poedeiras. O agricultor estabeleceu ainda um sistema de “mérito galináceo”: as galinhas que pusessem mais ovos recebiam mais ração; as galinhas que dessem menos ovos recebiam menos ração. As galinhas cujo índice de produtividade fosse igual ou inferior a 249 ovos por ano não tinham mérito algum e eram transformadas em cubinhos de caldo de galinha.
Acontece que conviviam com as galinhas poedeiras galináceos peculiares que se caracterizavam por um hábito curioso. A intervalos regulares, e sem razão aparente, eles esticavam os pescoços, abriam os bicos, emitiam um ruído estridente e, em acto contínuo, subiam para as costas das galinhas, seguravam-nas pelo bico e obrigavam-nas a se agachar. Consultados os relatório de produtividade, verificou-se que isso era tudo o que os galos – era esse o nome daquelas aves – faziam. Ovos, mesmo, nunca, jamais…
Lembrou-se, então, o agricultor das lições que aprendera e ordenou que todos os galos fossem transformados em cubos de caldo de galinha. As galinhas continuaram a pôr ovos, como sempre: os números escritos nos relatórios não deixavam margem para dúvidas. Mas uma coisa estranha começou a acontecer. Antes os ovos eram colocados em chocadeiras e, ao final de 21 dias, de dentro deles saíam pintainhos… Agora os ovos das mesmas galinhas, depois de 21 dias não se abriam… Ficavam lá, inertes. Deles não saíam pintainhos. E, se lá continuassem por muito tempo, estouravam e de dentro deles o que saía era um cheiro de coisa podre. Coisa morta.
Aí, o agricultor aprendeu duas coisas. Primeiro: o que importa não é a quantidade dos ovos, mas o que vai dentro deles. A forma dos ovos pode ser enganosa: ovos muito lisinhos por fora podem ser podres por dentro. Segundo: há coisas de valor superior ao número dos ovos. Coisas sem as quais os ovos são coisas mortas.
In ALVES, Rubem. (2001). Entre a Ciência e a Sapiência. O Dilema da Educação. São Paulo: Ed. Loyola (p. 67-71). Adaptação de Maria Susel Gaspar.
1 comentário:
Uma excelente história que ilustra o que vai na cabeça dos gestores actuais.
Obrigada pela partilha.
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